quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Um mês.


Em 2001, quando ainda tocava trombone, fui fazer um teste numa banda de baile da região. Um ensaio na sexta, baile de rei no sábado e no domingo uma domingueira, retorno segunda-feira de madrugada.

No sábado o baile era no interior de Ibirama, num salão bem antigo, todo de madeira. Passamos o som e logo depois o baterista colocou duas panelas com uns fios ligados bem na frente do palco e falou para o vocalista: Se liga no começo, não fica perto.

Na hora eu não prestei atenção, pois ficava no canto do palco, ao lado das caixas de som. Tocava em poucas músicas e pelo que me lembro na abertura do show eu não tinha participação.

Começa o show, das panelas saem fogos com mais de 1 metro de altura. O pessoal que estava próximo ao palco se afastou com um pouco de medo. O fogo não chega a 1 minuto de duração. A festa começa e vai até umas 4 horas da manhã, sem problemas.

Em 2006 quando fiz meu recital orientado, no quinto semestre do curso de música, opção percussão, da Universidade Federal de Santa Maria - RS, eu o comecei com uma obra coral para marimba. Peça para quatro baquetas chamada A little prayer (Uma pequena oração), da compositora escocesa Evelyn Glennie.

Achei interessante colocar duas velas sobre o instrumento e tocar somente com essa iluminação. Claro que precisei de ajuda de algumas luzes do teatro, pois durante a passagem de som percebi que forçaria muito a visão apenas com a iluminação das velas.

Depois do recital ao assistir o vídeo notei que após a primeira música as velas não foram apagadas. Ficaram acesas até se apagarem sozinhas, pois eu tinha acendido dois pequenos pedaços dentro de pequenos potinhos de alumínio, já que a música era de curta duração.

Foram duas situações que foram pensadas apenas no momento. Nenhum responsável alertou para o que poderia acontecer caso algo desse errado. Muito menos os envolvidos.

Mais de 10 anos depois vejo com ingenuidade essa atitude de colocar fogos de artifícios em show musicais, ainda mais num bailão onde quem vai, vai para dançar. É até uma despesa e um trabalho a mais para a banda, que já não ganha muito.

Hoje em dia as bandas de baile parecem mais preocupadas com elementos surpresas, em inovar, do que fazer músicas dançantes.

Na manhã do dia 27 janeiro, quando fui acordado com a notícia que mais de 100 pessoas morreram numa boate em Santa Maria, a primeira imagem que me veio a cabeça foi a de uma outra boate, a Ballare, que uma vez após a formatura de um amigo tentamos entrar. Era 10 de março de 2007.

Chegamos quase uma hora da manhã e já tinha gente literalmente saindo pela porta. Nessa hora os seguranças seguravam as pessoas lá dentro para que não saíssem porque era muita gente mesmo. Não havia mais ingressos.

Meu amigo perguntou para um dos seguranças se a gente poderia entrar e ele falou que se pagássemos uns 50 reais (estávamos num grupo de 5 ou 6 pessoas no momento), “por fora” a gente entrava.

Falei pra ele: Entrar como? Não cabe mais ninguém aí! Fomos sensatos, ficamos um tempo no lado de fora e depois fomos embora.

Pena que a maioria não pensa assim. Balada boa é a que está lotada. Quem entra em balada, festa, show, ou em qualquer ambiente público e fica reparando em detalhes de segurança passa a ser chamado de detalhista estressado.

Certa vez um morador da Casa do Estudante Universitário da UFSM, onde morei por 4 anos, mandou uma carta para o Diário de Santa Maria denunciando todas as irregularidades não só do prédio como dos moradores.

Não pagávamos nem água, nem luz, muito menos aluguel, tinham pessoas que se aproveitavam disso para criar um comércio paralelo vendendo comida, lavando roupas e alugando quartos.

O que aconteceu? O cara que mandou a carta simplesmente foi ridicularizado, vários moradores ficaram contra ele e, algumas semanas depois, o vi andando sozinho pelo campus.

Será que ninguém dos milhares de universitários de engenharia civil, sanitária, arquitetura, bombeiros, policiais civis, militares e federais que passaram pela boate Kiss reparou que o lugar não era seguro?

É hora de folga, não de trabalho.

Ou quem viu ficou com medo de denunciar? De ser chamado de estressado e responsabilizado por acabar com a diversão do povo.

Outro detalhe que me chamou a atenção é que novamente houve greve na UFSM e o calendário acadêmico atrasou. Na última semana do mês de janeiro as aulas ainda não tinham terminado.

Ou essa tragédia teria acontecido em novembro ou dezembro ou iria acontecer. Festa para arrecadar fundos para formatura acontecendo em janeiro só com quem estuda em universidades federais.

Todos os anos que estudei lá ocorreram greve, o curso de música continuava, mas o Restaurante Universitário e a Biblioteca Central e Setorial fechavam.

Estranhei o fato dos bombeiros não isolarem a área durante o resgate. Dezenas de voluntários morreram por falta de informação. Será que ninguém comunicou a eles o risco que estavam assumindo por ficarem horas respirando fumaça? Não havia máscaras de gás para distribuir? Porque só os voluntários morreram intoxicados e os bombeiros não?

Acho que eu não conseguiria trabalhar vendo um amigo, colega ou voluntário correndo risco de vida por falta de um equipamento obrigatório para esse tipo de ocorrência.

É esse tipo de ingenuidade que se torna fatal. Mesmo com todo o trabalho de prevenção que é feito, ou que se tenta fazer, nunca estamos preparados para o pior.

Não quero tirar a culpa dos donos da boate, seus currículos já falam por si, e do pessoal da banda. Os últimos foram ingênuos, os componentes que conheci levavam a banda apenas como um dinheiro extra e se precisavam acrescentar esses elementos pirotécnicos ao show é porque a música não era muito atraente.

Um comentário:

  1. Eder, você como músico sabe que festas dos últimos 15 ou 20 anos, se não tiver alguma apelação, seja foguetório ou mulher com pouca roupa rebolando ou se insinuando, e músicas abjetas NÃO SÃO FESTA.

    A verdadeira música ficou esquecida pelos cantos, hoje as pessoas querem SHOWs. Prova disso será a muvuca que ocorrerá no próximo dia 08 de março se não me engano aqui em Jaraguá mesmo, quando trarão uma dupla (que até não é das piores, tendo em vista o que sobreveio a eles depois) e o tal de "Chulé" Teló.

    Você vai ver o furdunço de gente querendo ver o trouxinha de perto. Vão quebrar o pau na entrada e vai ter gente pagando até 200 mangos e entrando com criança até de colo pra conhecer o babaquinha.

    Infelizmente, este é o nosso destino: consumir porcaria travestida de música. Não sei onde isso vai parar. Se é que vai.

    Abraço.

    Walter

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